SEXUALIDADE
EM SALA DE AULA: Discurso,
desejo e teoria queer*
Discursos
sobre sexualidades: alunos, professores e políticas públicas
Ainda que o tema da sexualidade seja cada vez mais debatido fora da
escola, tal questão ainda é em geral um tabu para a sala de aula, pelo menos
nos discursos legitimados pelos professores. Estes frequentemente colocam a sexualidade no reino de sua vida privada,
anulando suas percepções e conseqüências sociopolíticas e culturais ao
compreendê-la como uma problemática individual. O corpo na escola foi apagado
para que passasse despercebidoou para que fosse ignorado uma vez que é a mente
ou a cognição que deve nos preocupar, como se corpo e mente existissem isoladamente um do outro ou como se os significados,
constitutivos do que somos, aprendemos e sabemos, existissem separadamente de
nossos desejos. Não surpreende que os livros
didáticos e propostas curriculares
tradicionalmente operem nessa lógica.
O mesmo pode ser dito em relação
a matizes de gênero e raça. Fomos educados a pensar sobre os alunos sem considerar sua
raça, seu gênero e seu desejo: um ser sem corpo, e portanto em abstração, que
só existe na sala de aula, nos discursos
em que a voz central é a do professor.
Mas é claro que todo esse processo de esquecer o corpo, naturaliza ideais corpóreos de raça como a branquitude,
de gênero como a masculinidade e de sexualidade como o heterossexualismo.
Essa ocultação do corpo não quer dizer que a escola não produza
identidades corporificadas. A escola é uma das agencias principais de reprodução e organização das
identidades sociais, de forma generalizada, sexualizada e racializada. Isso tem
possibilitado a naturalização dos ideais corpóreos já mencionados, embora esta naturalização esteja em sentido
contrário da vida social fora da escola, que cada vez mais acentua a
diferença, como podemos ver nos discursos
globalizados que chegam pela mídia e internet trazendo a diferença para dentro
de casa.
Talvez, como nunca antes os discursos escolares estão agora sendo
construídos em diálogo constante como questões relativas à sexualidade. Esse tema aparece na mídia com
frequencia, muitas vezes ajudando a sedimentar visões normalizadoras e
homogeneizadoras da sexualidade.
Alguns sociólogos ( por exemplo, GIDDENS, BECK & LASH, 1995) têm
chamado esse processo de destradicionalização da vida social, nos quais
discursos que eram compreendidos como
constitutivos da vida privada avançaram para a vida pública, ou deixaram sua privacidade adentrarem a sala de visitas,
pelo menos nas telas de TV, que leva-nos a um processo de reflexão sobre quem
somos e a possibilidade de construção de
nossas vidas em outras bases. Isso não quer dizer que estamos nos melhores dos
mundos e que não haja reações adversas dos conservadores. Assim devido a tais processos de
destradicionalização para os quais contribui a centralização da mídia no mundo
contemporâneo, é natural que os significados
sobre a sexualidade sejam, cada vez mais constitutivos dos discursos que
constrõem o universo escolar.
Por causa da natureza de seu trabalho os professores estão na linha de
frente dos embates sociais e culturais e não podem esperar que as mudanças
sejam efetivadas em políticas públicas para implementá-las em suas práticas. Precisam estar adiante.
Necessitam se familiarizar continuamente com outros discursos e teorizações que podem apresentar alternativas
de compreensão de vida social, principamente pela responsabilidade da posição
social que ocupam. A escola é uma agencia importante na constituição de quem
somos e seus discursos podem legitimar outros sentidos em que podemos ser.
Uma
visão lógica monocultural e da lógica multi/intercultural
A lógica monocultural se associa a um modo de explicação da vida social
voltada para a mesmidade. Tal lógica se baseia em um processo de homogeneização
e simplificação de quem somos ou ainda de busca de uma essência de que somos
feitos. Por outro lado a lógica multicultural
opera na direção da heterogeneização e da diferença. Ressalta nossa
construção social, nas práticas discursivas. Somos alimentados por uma
multiplicidade de significados que guiam nossas práticas.
A modernidade portanto, pode ser compreendida por um processo de modelar
as pessoas de forma restrita e arbitrária (JENKS, 2003). O século XX, porém, começa mais enfaticamente a
problematizar essa lógica monocultural, notadamente por meios dos movimentos
sociais feministas, GLBTs e negros, cujos discursos colocam em questão a visão
do mundo que os apagava.
Esse pensamento monocultural se apoiou no Iluminismo, em uma
justificativa universalista de que existe uma razão acima das práticas sociais
e de nossos posicionamentos que poderia levar-nos a valores e conhecimentos
objetivos e neutros e ao encontro do progresso da felicidade.
Pelo ponto de vista multi/intercultural, baseia-se na compreensão de que
somos seres do discurso e de que como tais somos constituídos pelos
significados diversificados (somos seres da diferença e não do significado
único) e principalmente mostram como esses significados coexistem dentro de
nós. Portanto não se trata de entender tal lógica simplesmente como
multicultural, mas de nos compreendermos como atravessados por múltiplas
culturas, bem organizadas e fechadas. Assim, em vez de pensarmos em essência
identitária ou homogeneidade identitária, deveu ter em mente sociabilidades
continuamente em construção, fragmentadas, contraditórias e heterogêneas.
Especificamente em relação à sexualidade, nossas experiências cotidianas
cada vez mais nos familiarizam com histórias de vida que questionam percursos
claros e únicos de expressão do desejo sexual. Somos seres que podem atravessar
as fronteiras discursivo-culturais da sexualidade e se familiarizar com outros
discursos sobre quem podemos ser sexualmente.
Visão
de queer sobre as sexualidades
Uma das teorizações que parecem mais iluminadoras pelo seu caráter
problematizador e questionador de qualquer sentido de verdade e normatividade
em relação à sexualidade, e que tentam explicar os atravessamentos de
fronteiras discurso-culturais da
sexualidade, têm sido chamadas de teorias
queer.
Abordagens que tentam explicar as sexualidades como arena de recusa à
naturalização e à normalidade tanto no que diz respeito à heteronormatividade
compulsória – talvez uma das forças mais cruciais na construção da vida social,
especificamente, a obrigação de ser heterosexual – como também ao ideal de uma
identidade homossexual homogênea, estável como destino sexual, dos quais não se
pode escapar.
A abordagem queer que
desestabiliza a posição privilegiada da heteronormatividade , à qual é dada o
direito de tolerar outras sexualidades,
objetiva não contemplar qualquer sentido de normalidade para a sexualidade,
inclusive da heterossexualidade, pois tal lógica questiona sentidos de
homogeneidade, naturalidade e verdade sobre a sexualidade e nos faz refletir
sobre o que normalmente não é pensado: a posição de prestígio, historicamente
bem instalada, na heterossexualidade.
Essa teorização dialoga com incertezas e com cruzamentos de fronteiras,
em vez de teorizar as políticas de identidade, teoriza as pós-identidades.
A posição queer acarreta o entendimento da sexualidade como dinâmica e
cambiante, o que implica em compreender que os objetos de desejo podem mudar
durante a vida ou em práticas discursivas diferentes : nossas performances de sexualidade podem se mutáveis. Essa
percepção envolve a concepção da sexualidade como algo que nunca está pronto ou
que está sempre se fazendo eque pode ser
construída e re-construída discursivamente.
Potenciais
da teorização queer para a educação
A teorização queer pode iluminar o trabalho na educação ao oferecer uma
alternativa de compreensão dos desafios desestabilizadores das práticas sociais
que vivemos.
Os alunos tem cada vez mais acessos a dicursos sobre sexualidade e os
professores podem contemplar visões alternativas para os discursos da mídia e
de outras instiuições que homogeneizam e
e essencializam a vida social, tanto melhor para as práticas
educacionais.
Isso não quer dizer que se almeje impor a verdade sobre a sexualidade,
mas apresentar um discurso alternativo que pode ampliar os repertórios de
sentidos dos alunos e professores na compreensão dos desejos. No entanto, uma
das características de teorização apresentada não é a defesa das chamadas
minoria gays e lésbicas, mas sim é ir além e recusar qualquer essência para a
sexualidade, o que pode tornar o termo sexualidade menos amendrontador uma vez
que a teria queer não se qualifica por uma atitude defensiva em relação à sexualidade de um ou de outro.
Há ainda uma motivação ética para compartilhar tal teorização, uma vez
que implica ganhos claros dessa natureza. Ao descentralizar os desejos de qualquer tipo, compreendê-los
como estando sempre em construção, desestabilizar a posição de
heterossexualidade como matriz, despatologizar a homossexualidade, contemplar a
natureza discursiva e mutável das sexualidades, e ao não defender nenhum desejo
sexual, há nessa visão a possibilidade de re-descrição, denaturalização da vida
social.
Que a escola seja um lugar de re-criar e politizar a vida social, de
compreender a necessidade de não separar a cpognição e corpo, de se livrar de
discursos e pensamentos aprisionadores, de se questionar sempre e de se
preocupar com a justiça e ética social.
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