sexta-feira, 5 de abril de 2013


SEXUALIDADE EM SALA DE AULA: Discurso, desejo e   teoria queer*

Discursos sobre sexualidades: alunos, professores e políticas públicas

Ainda que o tema da sexualidade seja cada vez mais debatido fora da escola, tal questão ainda é em geral um tabu para a sala de aula, pelo menos nos discursos legitimados pelos professores. Estes frequentemente colocam  a sexualidade no reino de sua vida privada, anulando suas percepções e conseqüências sociopolíticas e culturais ao compreendê-la como uma problemática individual. O corpo na escola foi apagado para que passasse despercebidoou para que fosse ignorado uma vez que é a mente ou a cognição que deve nos preocupar, como se corpo e mente  existissem isoladamente  um do outro ou como se os significados, constitutivos do que somos, aprendemos e sabemos, existissem separadamente de nossos desejos. Não surpreende que os livros  didáticos e propostas curriculares  tradicionalmente operem nessa lógica.
O mesmo pode ser dito em relação  a matizes de gênero e raça. Fomos educados  a pensar sobre os alunos sem considerar sua raça, seu gênero e seu desejo: um ser sem corpo, e portanto em abstração, que só existe na sala de aula, nos discursos  em que a voz central é a do professor.
Mas é claro que todo esse processo de esquecer o corpo, naturaliza  ideais corpóreos de raça como a branquitude, de gênero como a masculinidade e de sexualidade como o heterossexualismo.
Essa ocultação do corpo não quer dizer que a escola não produza identidades corporificadas. A escola é uma das agencias  principais de reprodução e organização das identidades sociais, de forma generalizada, sexualizada e racializada. Isso tem possibilitado a naturalização dos ideais corpóreos já mencionados,  embora esta naturalização esteja em sentido contrário da vida social fora da escola, que cada vez mais acentua a diferença,  como podemos ver nos discursos globalizados que chegam pela mídia e internet trazendo a diferença para dentro de casa.
Talvez, como nunca antes os discursos escolares estão agora sendo construídos em diálogo constante como questões relativas  à sexualidade. Esse tema aparece na mídia com frequencia, muitas vezes ajudando a sedimentar visões normalizadoras e homogeneizadoras da sexualidade.
Alguns sociólogos ( por exemplo, GIDDENS, BECK & LASH, 1995) têm chamado esse processo de destradicionalização da vida social, nos quais discursos que eram compreendidos como  constitutivos da vida privada avançaram para a vida pública, ou deixaram  sua privacidade adentrarem a sala de visitas, pelo menos nas telas de TV, que leva-nos a um processo de reflexão sobre quem somos e a possibilidade de  construção de nossas vidas em outras bases. Isso não quer dizer que estamos nos melhores dos mundos e que não haja reações adversas dos conservadores.  Assim devido a tais processos de destradicionalização para os quais contribui a centralização da mídia no mundo contemporâneo, é natural que os significados  sobre a sexualidade sejam, cada vez mais constitutivos dos discursos que constrõem o universo escolar.
Por causa da natureza de seu trabalho os professores estão na linha de frente dos embates sociais e culturais e não podem esperar que as mudanças sejam efetivadas em políticas públicas para implementá-las  em suas práticas. Precisam estar adiante. Necessitam se familiarizar continuamente com outros discursos e  teorizações que podem apresentar alternativas de compreensão de vida social, principamente pela responsabilidade da posição social que ocupam. A escola é uma agencia importante na constituição de quem somos e seus discursos podem legitimar outros sentidos em que podemos ser.

Uma visão lógica monocultural e da lógica multi/intercultural
A lógica monocultural se associa a um modo de explicação da vida social voltada para a mesmidade. Tal lógica se baseia em um processo de homogeneização e simplificação de quem somos ou ainda de busca de uma essência de que somos feitos. Por outro lado a lógica multicultural  opera na direção da heterogeneização e da diferença. Ressalta nossa construção social, nas práticas discursivas. Somos alimentados por uma multiplicidade de significados que guiam nossas práticas.
A modernidade portanto, pode ser compreendida por um processo de modelar as pessoas de forma restrita e arbitrária (JENKS, 2003). O século XX,  porém, começa mais enfaticamente a problematizar essa lógica monocultural, notadamente por meios dos movimentos sociais feministas, GLBTs e negros, cujos discursos colocam em questão a visão do mundo que os apagava.
Esse pensamento monocultural se apoiou no Iluminismo, em uma justificativa universalista de que existe uma razão acima das práticas sociais e de nossos posicionamentos que poderia levar-nos a valores e conhecimentos objetivos e neutros e ao encontro do progresso da felicidade.
Pelo ponto de vista multi/intercultural, baseia-se na compreensão de que somos seres do discurso e de que como tais somos constituídos pelos significados diversificados (somos seres da diferença e não do significado único) e principalmente mostram como esses significados coexistem dentro de nós. Portanto não se trata de entender tal lógica simplesmente como multicultural, mas de nos compreendermos como atravessados por múltiplas culturas, bem organizadas e fechadas. Assim, em vez de pensarmos em essência identitária ou homogeneidade identitária, deveu ter em mente sociabilidades continuamente em construção, fragmentadas, contraditórias e heterogêneas.
Especificamente em relação à sexualidade, nossas experiências cotidianas cada vez mais nos familiarizam com histórias de vida que questionam percursos claros e únicos de expressão do desejo sexual. Somos seres que podem atravessar as fronteiras discursivo-culturais da sexualidade e se familiarizar com outros discursos sobre quem podemos ser sexualmente.

Visão de queer sobre as sexualidades

Uma das teorizações que parecem mais iluminadoras pelo seu caráter problematizador e questionador de qualquer sentido de verdade e normatividade em relação à sexualidade, e que tentam explicar os atravessamentos de fronteiras discurso-culturais  da sexualidade, têm sido chamadas de teorias queer.
Abordagens que tentam explicar as sexualidades como arena de recusa à naturalização e à normalidade tanto no que diz respeito à heteronormatividade compulsória – talvez uma das forças mais cruciais na construção da vida social, especificamente, a obrigação de ser heterosexual – como também ao ideal de uma identidade homossexual homogênea, estável como destino sexual, dos quais não se pode escapar.
A abordagem queer que desestabiliza a posição privilegiada da heteronormatividade , à qual é dada o direito  de tolerar outras sexualidades, objetiva não contemplar qualquer sentido de normalidade para a sexualidade, inclusive da heterossexualidade, pois tal lógica questiona sentidos de homogeneidade, naturalidade e verdade sobre a sexualidade e nos faz refletir sobre o que normalmente não é pensado: a posição de prestígio, historicamente bem instalada, na heterossexualidade.  Essa teorização dialoga com incertezas e com cruzamentos de fronteiras, em vez de teorizar as políticas de identidade, teoriza as pós-identidades.
A posição queer acarreta o entendimento da sexualidade como dinâmica e cambiante, o que implica em compreender que os objetos de desejo podem mudar durante a vida ou em práticas discursivas diferentes : nossas performances  de sexualidade podem se mutáveis. Essa percepção envolve a concepção da sexualidade como algo que nunca está pronto ou que está sempre se fazendo  eque pode ser construída e re-construída discursivamente.

Potenciais da teorização queer para a educação

A teorização queer pode iluminar o trabalho na educação ao oferecer uma alternativa de compreensão dos desafios desestabilizadores das práticas sociais que vivemos.
Os alunos tem cada vez mais acessos a dicursos sobre sexualidade e os professores podem contemplar visões alternativas para os discursos da mídia e de outras instiuições que homogeneizam e  e essencializam a vida social, tanto melhor para as práticas educacionais.
Isso não quer dizer que se almeje impor a verdade sobre a sexualidade, mas apresentar um discurso alternativo que pode ampliar os repertórios de sentidos dos alunos e professores na compreensão dos desejos. No entanto, uma das características de teorização apresentada não é a defesa das chamadas minoria gays e lésbicas, mas sim é ir além e recusar qualquer essência para a sexualidade, o que pode tornar o termo sexualidade menos amendrontador uma vez que a teria queer não se qualifica por uma atitude defensiva em relação à  sexualidade de um ou de outro.

Há ainda uma motivação ética para compartilhar tal teorização, uma vez que implica ganhos claros dessa natureza. Ao descentralizar  os desejos de qualquer tipo, compreendê-los como estando sempre em construção, desestabilizar a posição de heterossexualidade como matriz, despatologizar a homossexualidade, contemplar a natureza discursiva e mutável das sexualidades, e ao não defender nenhum desejo sexual, há nessa visão a possibilidade de re-descrição, denaturalização da vida social.
Que a escola seja um lugar de re-criar e politizar a vida social, de compreender a necessidade de não separar a cpognição e corpo, de se livrar de discursos e pensamentos aprisionadores, de se questionar sempre e de se preocupar com a justiça e ética social.



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